Roberta de Oliveira Souza: E se a MP 808 cair?

24/04/2018

 Considerando que o término de vigência da MP 808 se dará no próximo dia 23 de abril e que a Comissão Mista de Deputados e Senadores nem sequer está estabelecida —tendo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, declarado que após o dia 3 de abril não pautaria mais o assunto caso a Comissão não emitisse o parecer de sua competência—, é provável que ela perca eficácia por decurso do prazo. 

 
Mas o que acontecerá se, de fato, a MP 808 perder sua eficácia ou, ainda, se for votada e rejeitada?
 
A primeira dificuldade hermenêutica surge em relação à aplicação da reforma trabalhista aos contratos em curso. Isso porque o art. 2º da MP 808 dispunha que a reforma se aplicaria de imediato aos contratos de trabalho vigentes.
 
Desse modo, com a sua provável revogação surge a dúvida quanto à persistência ou não da mesma interpretação dos novos dispositivos da CLT aos empregados submetidos ao regramento anterior. Ou seja, será que por uma questão de isonomia as novas regras seguirão sendo aplicáveis a todos os trabalhadores (contratados antes e após a entrada em vigor da reforma)?
 
Ou será que esse entendimento violaria a irretroatividade das leis, devendo a Lei 13.467/2017 ser aplicada somente para os contratos celebrados após 11 de novembro de 2017? Ou, ainda, a aplicação imediata ou não da lei de novembro dependerá do caráter imperativo da regra?
 
Evidencia-se, por oportuno, que esses são questionamentos que irão, inevitavelmente, surgir e causar insegurança jurídica na seara juslaboral. 
 
E, como se não bastasse, todas as disposições que serviram para esclarecer e preencher as lacunas deixadas pela reforma em relação ao trabalho intermitente voltarão à tona. 
 
Para piorar, em relação à gestante e à lactante que trabalham em ambiente insalubre, o afastamento deixará de ser imediato (como proposto pela MP 808), restando-se condicionado à apresentação de atestado médico no caso da lactante e da gestante (que trabalhar em ambiente insalubre em grau mínimo e médio). 
 
No que tange ao autônomo, apesar de a MP 808 ter esclarecido muitas questões, os arts. 2º e 3º da CLT se mantiveram intactos com a reforma e conduzem à mesma conclusão, qual seja: se houver subordinação jurídica, haverá vínculo empregatício a ser declarado. 
 
Nada obstante, é preciso observar que a MP não trouxe apenas soluções salutares para os problemas criados pela Lei 13.467/2017. Isso porque criou o art. 911-A, dispondo que, se não houver a complementação das contribuições previdenciárias pelo empregado que ganha menos de um salário mínimo mensal, ele não adquirirá nem manterá a qualidade de segurado.
 
Nesse contexto, nota-se que a MP 808 sanava um problema tributário, evitando um déficit ainda maior na Previdência, mas criava um problema social. 
 
E, quanto à gestante, a MP extinguia a regra que equiparava o seu afastamento à gravidez de risco, criando um outro problema, qual seja: o de quem seria o responsável pelo pagamento do salário dessa mulher que não pudesse ser realocada dentro da empresa em local salubre.
 
Constata-se que, de novo, a MP 808 sanava a questão tributária, mas, por via transversa, deixava a mulher em idade fértil à mercê da discriminação do mercado. 
 
À guisa de conclusão, não restam dúvidas de que a provável revogação da MP, em um cenário marcado por uma lei lacunosa, aprovada atoque de caixa e sem maiores reflexões, ensejará ainda mais insegurança no cenário juslaboral.
 
Roberta de Oliveira Souza
É advogada especialista em direito público, processo e direito do trabalho
 
 
Fonte: Folha de SP

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