Ouvidor das polícias de SP diz que segurança no estado colapsou

11/12/2024

O ouvidor das Polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido Silva, 47, afirmou em entrevista ao Portal CUT, na sexta-feira (6), que a crise na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo evoluiu para uma situação grave que colapsou o atual modelo implementado por Guilherme Derrite, secretário da pasta. Ele responsabiliza Derrite e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pela escalada de violência da polícia militar no estado. (Veja a entrevista abaixo).
 
 
Para o ouvidor, o secretário legitima a ação da polícia com suas declarações. “Esse modelo tem autoria, tem dono, o autor desse modelo chama-se Guilherme Derritte, que é o secretário de segurança pública que desmontou todo o sistema de controle interno da polícia em relação à tropa”.
 
 
Em 30 dias, 45 policiais de São Paulo foram afastados das funções após os agentes se envolverem em ações violentas. Destes, apenas dois já foram presos. Depois dos casos virem à tona, autoridades e entidades de direitos humanos foram a público manifestar indignação sobre os casos e cobraram do governador Tarcísio de Freitas rigor nas investigações.
 
 
Aumento da letalidade da PM-SP
 
Com Derrite e Tarcísio, a onda de brutalidade policial em São Paulo agravou nos últimos anos. Segundo dados do Ministério Público de São Paulo, as mortes cometidas por policiais militares no estado aumentaram 46% até 17 de novembro deste ano, se comparado a 2023.
 
 
De janeiro a 17 de novembro deste ano, 673 pessoas foram mortas por policiais, contra 460 nos 12 meses do ano passado. Dessas 673 mortes, 577 foram praticadas por policiais em serviço, ou seja, trabalhando, e 96, de folga. Média de duas pessoas mortas por dia.
 
 
A tropa está descontrolada, sem qualquer controle mental e sem controle funcional. Uma medida efetiva precisa ser tomada para que a gente retome a normalidade
- Claudinho SIlva
 
 
Cenas de violência e morte
 
No último domingo (1º), vieram a público imagens de um policial militar flagrado arremessando um jovem em um córrego na zona sul da capital paulista. Na segunda-feira (2), outro flagrante: a execução de um jovem negro com 11 tiros disparados por um PM à paisana, que tentou furtar pacotes de sabão em um mercado. Esse PM havia sido reprovado no teste psicotécnico da PM, em 2022, mas no ano seguinte fez novas provas e conseguiu ser incorporado.
 
 
No dia 20 de janeiro, um estudante de medicina foi morto com tiro à queima-roupa durante uma abordagem policial.  Já no início de novembro, Ryan da Silva, um garoto de 4 anos morreu após ser baleado durante um confronto policial no litoral paulista. Na ocasião, houve protesto de moradores durante o velório da criança após a presença de policiais escoltarem o enterro.
 
 
Em 28 de setembro, um vídeo registrou o momento em que um policial militar jogou spray de gás de pimenta no rosto de um morador que caminhava sozinho pela rua de uma comunidade na zona sul da cidade.
 
 
Outra cena de violência veio a público nesta quinta-feira (5). Doze policiais militares agrediram uma mulher de 63 anos e deram um golpe de mata-leão em seu filho durante uma abordagem. Eles foram afastados de suas atividades operacionais após prestarem depoimento na Corregedoria da Polícia Militar. O caso ocorreu na garagem da família, em Barueri, na Grande São Paulo, na noite da quarta (4).
 
 
A última agressão divulgada nesta sexta-feira (6), pela imprensa mostra cenas de PMs dando um mata-leão, socos e chutes em mulher durante abordagem registrada na noite de segunda-feira (2), no bairro Parque Santo Antônio, na Zona Sul de São Paulo.
 
 
Leia a análise feita pelo ouvidor da PM em entrevista ao Portal CUT
 
Portal CUT – As denúncias e casos de violência policial têm disparado em São Paulo. A quem você atribui essa crise na segurança pública no estado?
 
Claudinho – Ao modelo de segurança pública que está sendo aplicado no estado de São Paulo. Tem autoria, tem dono, e o autor desse modelo chama-se Guilherme Derritte, que é o Secretário de Segurança Pública (SSP) que, primeiro, desmontou todo o sistema de controle interno da polícia em relação à tropa, a Corregedoria está extremamente sucateada. Quando ele fez aquela movimentação de 34 coronéis, em postos chaves da PM, uma das intenções dele era fazer essa mudança na Corregedoria, que tinha um trabalho fundamental de controle interno da atividade policial.
 
 
Portal CUT – Então, o governo estadual legitima essas operações desastrosas da polícia militar paulista?
 
Claudinho - Nas notas das manifestações da SSP [Secretaria de Segurança Pública] ele tem legitimado a atuação dos policiais. Então, você vê que no posicionamento da secretaria em relação a morte do menino Ryan [um garoto de 4 anos que foi morto após ser baleado no litoral paulista], o coronel Emerson Maceira, que é o chefe do Centro de Comunicação Social da Polícia, inicia a coletiva de imprensa dizendo que os policiais estão afastados não porque eles cometeram algum arbítrio, mas porque são vítimas e para preservá-los.
 
No meio da entrevista ele admite que a bala que matou o Ryan partiu de uma arma da polícia e para encerrar a entrevista ele defende a redução da maioridade penal. Perceba que ele fica legitimando do começo ao fim, mesmo naquele caso sendo uma criança de 4 anos de idade.
 
 
Portal CUT - E que tinha perdido o pai recentemente também numa operação.
 
Claudinho - Exatamente. O dado curioso do fato desse menino ter perdido o pai é que o que aconteceu foi o seguinte. Em fevereiro, a polícia invade o morro e mata o Leonel e o Jefferson, um amigo dele, o Leonel usava muletas. Em março, o policial que matou o Leonel é morto na zona sul de São Paulo por outros policiais. Ele estava à paisana de moto, e desconfiou de um carro de aplicativo e foi abordar esse carro. A viatura policial chegou e não o abordou, atirou nele primeiro para depois querer saber quem era, que era um colega de farda, o que demonstra que essa lógica de primeiro atirar para depois saber quem não interessa nem para a polícia.
 
 
Então, a responsabilidade de tudo que está acontecendo não pode ser atribuída a ninguém que não seja o secretário e ao governador, já que o secretário é um cargo de confiança do governador. E ele está legitimado pelo governador, então é importante que a gente saiba isso.
 

Portal CUT - Se ventilou na imprensa a demissão do Derrite, mas ele tem recebido apoio de Tarcísio de Freitas; você acha que o atual Secretário de Segurança Pública está sendo protegido pelo governador nessa crise?
 
 
Claudinho - Concordo e tem mais. Aquele saudoso “estou nem aí” do Tarcísio está se refletindo agora. A gente está vendo, vem se refletindo de lá para cá, e agora numa escala ainda maior. Isso são posições do governador que ontem fez uma autocrítica em relação a política de câmeras.
 
 
Tenho certeza absoluta que se não fosse esses posicionamentos ao longo dessa gestão da Segurança Pública em São Paulo, a tropa estava numa posição de maior controle.
 
 
Nota da Redação: Tarcísio após ser denunciado junto à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as dezenas de mortes na Baixada Santista, durante a Operação Escudo, ele disse “não estar nem aí” para os assassinatos praticados pela PM.
 
 
Portal CUT – Segundo a imprensa, o Derrite quer a criação de uma Ouvidoria da Polícia paralela pela Secretaria da Segurança Pública. A decisão foi criticada pela OAB-SP. Por que o secretário quer criar outra Ouvidora?
 
 
Claudinho – É um capítulo dessa gestão truculenta e arbitrária tocada pelo Derrite no estado de São Paulo. Ele percebeu que as únicas instituições que estavam atuando em contraponto a essa política nefasta de segurança pública implementada por ele, em São Paulo, é a Ouvidoria da Polícia que desde o princípio vem se contrapondo a essa postura e as instituições e organizações da sociedade civil que têm denunciado constantemente as arbitrariedades cometidas pela polícia.
 
 
Quando ele publica uma resolução que não tem o mínimo de força legal para sobrepor o nosso trabalho, ele está emitindo também mais um sinal para a tropa, dizendo: ó, esse órgão aí que faz contraponto com as arbitrariedades as violações que vocês estão cometendo, também vou combater aqui para garantir que vocês possam fazer, cometer os crimes que vocês cometem, sem que tenha oposição a eles.
 
 
Porque a Ouvidoria é uma voz, na opinião pública, de enfrentamento a esses desmandos promovidos por essa gestão. Então, ele tenta, para além disso, para além de tentar fragilizar, enfraquecer a ouvidoria e sinalizar para a tropa que vai nos enfrentar. Ele tenta também confundir as pessoas, tenta sequestrar a boa parte das missões institucionais que a ouvidoria tem. Isso é mais uma irresponsabilidade cometida por esse governo, onde seu o grupo político tentou aplicar um golpe na democracia no Brasil, e em São Paulo está perpetrando um golpe às pessoas que não têm mais direito à cidadania e isso é muito grave.
 
 
Portal CUT - O policial que jogou o outro trabalhador de cima de uma ponte na zona sul de São Paul e o outro policial que executou com 11 tiros um jovem negro na frente de um mercado, foram presos, mas como estão as investigações?
 
 
Claudinho - No dia que saiu o vídeo que mostrou a execução do rapaz negro Gabriel, a gente encaminhou esse vídeo à Corregedoria e pedimos a prisão desse policial e ele está preso também. Foi emitido um mandado de prisão contra ele, se não me engano, antes de ontem.
 
 
Portal CUT - Como você avalia esse recuo do governador Tarcísio em relação às câmeras corporais dos PMs depois de dar várias declarações dando aval às truculências, principalmente da Operação Escudo na Baixada Santista?
 
 
Claudinho - Imagino que possa ser uma estratégia para 2026, né? A gente não pode descartar que a política colabora para movimentar as pessoas, os seus pensamentos e as suas decisões enquanto agentes públicos.
 
 
Mas eu avalio positivamente essa posição do Tarcísio porque desde o início dessa gestão a gente tem tentado dialogar, seja através da Secretaria de Segurança Pública, seja diretamente com o governador, no sentido de levantar a relevância e a importância que tem as câmeras corporais, especialmente as com gravação ininterrupta.
 
 
A gente considera que isso é sim, um movimento político, calculado, mas a gente espera que essa posição seja a posição dele perenemente daqui em diante.
 

Portal CUT - O atual modelo de segurança pública no estado fracassou?
 
 
Claudinho - Podemos afirmar, é um colapso e o modelo implementado pelo Derrite faliu. Esse modelo não nos contempla e não contempla nenhuma classe social de São Paulo hoje. Pessoas brancas também estão sofrendo com essas violências e com essas violações. Assim como pessoas negras periféricas e pessoas da classe média. Das classes mais abastadas no nosso estado. Todo mundo está sofrendo com isso. Os dados demonstram que não há fato isolado, não existe fato isolado. Essa crise evoluiu para um colapso. Nesse momento nós estamos vivendo um colapso na segurança pública do estado de São Paulo.
 
 
Perfil
Cláudio Silva, conhecido como Claudinho, é professor de educação física e militante do movimento negro e de hip hop há mais de 25 anos. Ele foi nomeado ao cargo de ouvidor em dezembro de 2022, pelo ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB), após pressão de movimentos sociais. Ele foi candidato a deputado estadual pelo PT na eleição e 2022, recebendo mais de 7 mil votos. Ele também foi assessor do rapper Dexter.
 
 
 
 Fonte: CUT
 
 
 

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