Curatela não pode ver o idoso como incapaz

16/03/2018

Conversei com a juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo, titular da 15ª. Vara de Família no Rio de Janeiro e doutora em bioética, ética aplicada e saúde coletiva, sobre a curatela, prevista para proteger o idoso que não tem condições, por causa transitória ou permanente, de exprimir sua vontade. Ela critica a visão retrógrada de considerar o indivíduo absolutamente incapaz: “temos que mudar nosso paradigma e olhar a pessoa idosa em suas habilidades e funcionalidades”. A curatela é prevista para proteção de maior de 18 anos sem condições de reger sua própria vida por alguma incapacidade mental, intelectual ou física que a impeça de agir sem proteção de outra pessoa. Já a tutela é prevista para os cuidados de criança e adolescente, para sua proteção quando o pai e mãe são falecidos ou quando perdem o poder familiar.

 
Quais são os procedimentos para se obter a curatela de um idoso e quem pode ser curador?
 
Juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo: A curatela somente poderá ser imposta judicialmente para proteção da pessoa idosa que esteja incapacitada de manifestar sua vontade. Será utilizada tão somente para atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. Observe-se que, em caso de pessoa com deficiência em situação de curatela, deve ser assegurada sua participação, no maior grau possível, para a obtenção de consentimento. Não é necessária para emissão de documentos oficiais. Pode ser curador quem demonstrar maior aptidão para tal, mas há uma ordem inicial prevista para o cônjuge/companheiro e depois os filhos. Também é possível a curatela compartilhada entre as pessoas indicadas.
 
De que maneira é feito o acompanhamento do trabalho do curador para garantir que os direitos do idoso estão sendo respeitados?
 
Juíza Maria Aglaé: É necessário um projeto terapêutico. Hoje o curador não é apenas administrador dos bens e direitos do curatelado, mas responsável por conferir um processo de habilitação e reabilitação para o desenvolvimento de potencialidades, talentos, habilidades e aptidões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas que contribuam para a conquista da autonomia da pessoa com deficiência e de sua participação social em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas. Deve ser realizada avaliação multidisciplinar das necessidades, habilidades e potencialidades de cada um para garantia de sua participação na tomada de decisão na medida de suas possibilidades. Hoje temos bem clara a distinção entre capacidade e funcionalidade. Certo que pessoas totalmente comprometidas não serão reabilitadas, mas cada caso deve ser examinado individualmente e não, como fazíamos antigamente, quando ficavam todas as pessoas no mesmo prato da balança da incapacidade absoluta.
 
A curatela pode ser revertida? Por exemplo, se um idoso se recupera de uma enfermidade?
 
Juíza Maria Aglaé: Pode haver reversão da curatela em função da avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar que levará em consideração os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de atividades; e a restrição de participação. Cada caso será analisado individualmente e revisado quantas vezes forem necessárias, sob a fiscalização do Ministério Público.
 
Entre os magistrados há preocupação em relação ao aumento desse tipo de pedido com o progressivo envelhecimento da população? Há consenso entre os juízes de que os mecanismos existentes são suficientes para dar voz ao idoso?
 
Juíza Maria Aglaé: Ainda vigora um pensamento antigo de que as pessoas podem ser consideradas absolutamente incapazes. Temos que mudar nosso paradigma e olhar a pessoa idosa em suas habilidades e funcionalidades. Talvez ela não tenha uma plena funcionalidade cognitiva, mas pode entender questões que lhe dizem respeito diretamente para manifestar sua vontade. A visão de uma pessoa mais velha por vezes não se coaduna com a visão dos jovens, não significando que por isso deva ser desconsiderada, e sim avaliada como sendo adequada ou não para uma pessoa que viveu muito. A lei cuida, por diversas normas, para a proteção do patrimônio. Cabe ao curador procurar fazer valer a autonomia individual. Para isso está nomeado, para proteger o curatelado. A nova lei prevê um instituto muito útil chamado Tomada de Decisão Apoiada, com o qual a pessoa com deficiência escolhe dois apoiadores, pessoas de sua confiança, para tomada de decisão sobre atos da vida civil. O processo também é judicial, por enquanto a lei não permite que seja extrajudicial, mas confere nova forma de respeitar a autonomia das pessoas que tenham algum comprometimento.
 
 
 
Fonte:G1
Foto: Divulgação

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