Mortes subiram 30% em 5 cidades

05/05/2020

 As mortes nas cinco cidades brasileiras mais atingidas pela Covid-19 somaram pelo menos 26.445 desde o início da pandemia até o dia 25 de abril, um crescimento de 30% em relação à média dos anos anteriores, de 20.384 durante as mesmas semanas. É esse o resultado de uma análise exclusiva feita para o G1 pelo epidemiologista Paulo Lotufo, da USP, com base em dados capturados do Portal da Transparência do Registro Civil pelo engenheiro de software Marcelo Oliveira.

 
A diferença, de 6.061 mortes, supera em 173% aquelas atribuídas à Covid-19 oficialmente até aquela data. No período, os números oficiais falavam em 4.057 mortos pelo novo coronavírus no país todo – 2.219 nas cidades analisadas. Houve, nessas cidades, no mínimo 3.842 mortes além das registradas por Covid-19, de acordo com a análise de Lotufo, baseada no último dado disponível para o total de certidões de óbito registradas nos cartórios do país.
 
O cálculo subtrai do total de mortes a média histórica nos anos anteriores, para obter o indicador conhecido entre os epidemiologistas como “excesso de mortalidade por todas as causas”. Trata-se, como explica post da semana passada, do número mais relevante para entender o impacto real da pandemia na sociedade. Não só revela a subestimação nas estatísticas oficiais, mas também dá a medida de todos os efeitos do novo coronavírus na saúde do brasileiro. “A pandemia desequilibra o sistema de saúde”, diz Lotufo. “Amplia as mortes por diversos outros tipos de doença, como ataques cardíacos ou acidentes vasculares cerebrais, além de gerar um custo também pelo adiamento no tratamento de doenças crônicas.”
 
Nas cinco cidades objeto da análise – São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus e Recife –, o excesso de mortos foi, respectivamente, de 2.500, 1.219, 312, 1.376 e 655. Desses, foram atribuídos à Covid-19 em cada uma das cidades, também respectivamente, 1.114, 382, 295, 246 e 182 (veja nos gráficos ao longo deste post). Para realizar o cálculo, os dados de 2020 foram comparados à média municipal dos últimos quatro anos. De 2016 a 2018, as informações são oficiais, do Sistema Único de Saúde (SUS). Apenas em 2019, ano para o qual os números ainda não estão consolidados, foram usados os dados também dos cartórios.
 
Além dessa ressalva metodológica (que pouco altera a média), há uma outra mais importante: o atraso nas informações disponíveis. Legalmente, há um prazo de 24 horas para a família informar mortes ao cartório, mais cinco dias para o registro do óbito, além de outros oito para as informações serem enviadas à Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional).
 
Há, portanto, pelo menos duas semanas de defasagem entre os dados informados no Portal da Transparência dos cartórios e a realidade. Na prática, o atraso costuma ser bem maior. Mesmo em grandes municípios brasileiros, como São Luís, Salvador ou Brasília, há demora crônica. Nos cinco analisados, a agilidade é maior, mesmo assim os dados devem ser vistos como um limite inferior do que ainda está por vir em termos de contabilidade macabra.
 
Até a semana passada, os cartórios não divulgavam o total de mortes, apenas as causadas por doenças respiratórias ou Covid-19. Elas não bastam, contudo, para avaliar o impacto pleno do novo coronavírus. Diversas mortes passam despercebidas porque faltam testes, são atribuídas a outras doenças ou simplesmente resultam do estresse provocado pela pandemia no sistema de saúde. É por isso que os epidemiologistas costumam olhar para o total de mortes como principal indicador. Um desvio em tal proporção da média, no entender de Lotufo, só pode ser consequência da Covid-19.
 
Assim que as informações sobre mortes totais foram postas no ar na semana passada, começou a corrida entre os epidemiologistas para obtê-las. Oliveira começou a extraí-las por meio de uma técnica conhecida como “raspagem”, em que um programa simula uma série de consultas ao site do Portal da Transparência e armazena os resultados. Os dados foram “raspados” do site até ontem. Apesar de a Lei de Acesso à Informação determinar que informações estejam disponíveis em formato legível por máquina, a prática nem sempre é seguida no Brasil. Não fosse o esforço de programadores talentosos como Oliveira, o país não teria acesso a informações que noutros lugares são mais acessíveis.
 
Não é que os dados não estejam disponíveis. O Brasil está em oitavo lugar no índice de abertura de informação calculado pela Open Knowledge Foundation. A questão é que não estão disponíveis como deveriam. “Existe muito despreparo para o trabalho com dados no Brasil, não sei dizer o motivo”, afirma Álvaro Justen, idealizador e coordenador do projeto Brasil.IO, cuja missão, idealizada em 2013 e posta em prática desde 2018, é facilitar o acesso a dados de interesse público.
 
Mantido pelo trabalho coletivo de voluntários como Oliveira e Justen, o Brasil.IO já promoveu iniciativas como a abertura de dados empresariais da Receita Federal e coordena uma mobilização nacional para obter as informações mais atualizadas sobre a pandemia. “No caso específico da Covid, talvez em virtude de questões políticas, estamos muito aquém do que poderíamos estar”, diz Justen. Ele destaca a falta de padronização nos formatos usados por secretarias estaduais e municipais, disponíveis em arquivos no formato PDF, textos de notícias sem data e até imagens em redes sociais.
 
Em Roraima, como revelou reportagem do G1, o governo passou a liberar os boletins apenas uma vez por semana, sem dados divididos por município. “Algumas secretarias já fornecem microdados detalhados, mas não há padronização”, diz Justen. Em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Brasil.IO desenvolve um modelo para estruturar o envio dos dados da Covid-19, que depois pode originar um sistema ágil de monitoramento epidemiológico. Os dados “raspados” por Oliveira também estarão em breve disponíveis no site.
 
 
Há também no Brasil, segundo Justen, exemplos positivos de acesso a dados, como as informações eleitorais disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou a transcrição das sessões da Câmara dos Deputados. Na maioria dos casos, contudo, prevalece o que ele chama de “problema de acessibilidade”: dados disponíveis, mas em formato difícil de trabalhar. Fornecer os dados em formatos abstrusos só serve para afastar a população do direito à transparência. “Restringir acesso a dados públicos é elitizar a democracia”, afirma. Numa pandemia, a informação ágil e correta pode representar a diferença entre a vida e a morte.
 
Fonte:G1
 
Foto: Bruno Kelly/Reuters

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