A pandemia prejudicou a saúde mental de 73,8% dos mais de 500 profissionais entrevistados em uma pesquisa da Fundação Dom Cabral (FDC) e Talenses Group. Entre os pesquisados, 53% conhecem alguém que tenha sofrido burnout — um estado de estresse crônico causado pelo trabalho que leva à exaustão física e emocional.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que o Brasil é o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo.
“Com esse cenário, entendemos a necessidade urgente de discutirmos o papel das organizações sobre o tema e as ações necessárias em prol da saúde mental dos colaboradores”, afirma Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Ele participará da Live do Valor Econômico “Vamos falar de saúde mental nas empresas”, nesta quinta-feira, dia 29, às 14 horas, e que pode ser acompanhada pelo site e redes sociais do Valor, YouTube e LinkedIn.
O debate é uma iniciativa do Valor em parceria com O Globo, Marie Claire, Época Negócios e rádio CBN, com o patrocínio da Amil.
Para Paul Ferreira, professor de gestão estratégica e diretor do Centro de Liderança da FDC, o tema da saúde mental nas empresas já vinha ocorrendo com grande intensidade e foi agravado com a tensão e a fadiga extremas provocadas pela pandemia. Ferreira, que coordenou a pesquisa citada no começo desta reportagem, comenta sobre um estudo de 2019 da Internacional Stress Management Association com nove países que mostrou o Brasil no segundo lugar em nível de estresse no ambiente de trabalho, ficando atrás somente do Japão.
Na visão de Ferreira, que também participará da Live do Valor, quatro principais fatores levam a esse cenário: excesso de trabalho, subutilização de propósito, liderança autoritária e ambiente e contexto de trabalho inadequados. “Outro ponto de tensão que pode levar ao burnout relaciona-se com a questão infindável sobre como equilibrar trabalho e vida pessoal e seus profundos impactos no bem-estar.”
Nesse contexto em que é urgente falar sobre saúde mental no ambiente corporativo, a Rede Brasil do Pacto Global da ONU e a InPress Porter Novelli, em parceria com a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), lançaram neste ano o #MenteEmFoco, um movimento que convida empresas e organizações brasileiras a reconhecer a importância da saúde mental no ambiente de trabalho e a agir em benefício de seus colaboradores e da sociedade como um todo. Um dos objetivos é combater o estigma e o preconceito social ao redor do tema.
“Boa parte da vida adulta é dedicada ao trabalho, e a experiência com o local laboral é um dos fatores que ajudam a determinar o bem-estar geral de um indivíduo. Muitas empresas entenderam a importância de se adotar práticas de saúde mental e bem-estar com seus funcionários, mas poucas são as companhias que olham o tema sob a perspectiva preventiva”, diz Pereira.
Depressão e ansiedade custam US$ 1 trilhão à economia global por ano, segundo a OMS, ocasionando perda de produtividade e competitividade para as empresas. “As lideranças executivas começaram a entender a importância de cuidar de pessoas para manter a sustentabilidade de seus negócios, integrando o tema saúde mental à pauta da gestão estratégica das empresas”, afirma o diretor da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Para ele, as empresas também são responsáveis pelo impacto na saúde dos seus funcionários, e por isso que é tão importante que a responsabilidade seja compartilhada.
“A pandemia deixou clara a necessidade de as empresas repensarem seus programas de saúde mental e bem-estar”, diz. “Mesmo em empresas com iniciativas robustas e estruturadas, ouvimos relatos de aumento significativo no estresse geral dos times.”
Para Lisiane Bizarro, da Sociedade Brasileira de Psicologia, as mudanças no trabalho, na sociedade, na economia e no meio ambiente que vinham sendo sinalizadas há alguns anos foram precipitadas no contexto da pandemia. “O tipo de trabalho, suas condições e a conciliação com as mudanças na vida pessoal trouxeram muitos desafios”, afirma. “Isso sensibilizou as pessoas para olharem para quem está presente em todas essas mudanças e nas consequências que elas terão: o ser humano.”
Para ela, que também participará do debate, a organização do trabalho, condições inadequadas, o assédio moral, o burnout e o sentido do trabalho são fatores sob controle das empresas que são bem conhecidos por influenciarem a saúde física e mental dos trabalhadores. “Esses fatores de risco psicossocial são complexos e difíceis de entender, pois representam as percepções e experiências do trabalhador”, explica. “Alguns se referem à pessoa, outras às condições ou ao ambiente de trabalho. Contudo, as consequências são tanto individuais quanto organizacionais.”
Segundo ela, a prevenção dos fatores de risco psicossociais no trabalho obriga a um envolvimento ativo e dinâmico da organização e dos trabalhadores. “As empresas oferecem trabalho formal e renda, mas também podem diminuir os estressores ocupacionais e entender que todos os colaboradores, incluindo os gestores, estão expostos a riscos à saúde mental em seus contextos de vida, especialmente em países em desenvolvimento.”
O médico Leandro Pereira Garcia, gerente médico sênior de gestão de saúde populacional na Amil/UHG, ressalta que, para as empresas, o impacto da deterioração da condição mental da população se dá em várias frentes, como o aumento dos custos diretos em saúde e a queda na produtividade em função do absenteísmo e do presenteísmo — quando o colaborador está na empresa mas não consegue desenvolver o trabalho de forma adequada.
“Estima-se que, nesta década, depressão será a principal causa de absenteísmo”, afirma. “A queda na produtividade reflete em um pior desempenho econômico, que realimenta o ciclo. Assim, falar de saúde mental nas empresas hoje é urgente, por uma questão humanitária, por uma questão competitiva e para auxiliar na recuperação econômica do mercado em que elas mesmas estão inseridas.”
Fonte: O Globo