Saúde mental: Crianças traumatizadas se tornam adultos doentes

30/09/2024

Gritos, agressões, assistir a cenas assustadoras ou presenciar uma briga, situações como essas marcam o cérebro de uma criança. Segundo a ciência, viver traumas na infância pode causar problemas muito mais profundos, que permanecem até depois da vida adulta. Novas pesquisas destacam a importância dessa fase para uma vida longeva e saudável.
 
 
Um estudo recente da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA Health), nos Estados Unidos, revela que experiências traumáticas na infância podem aumentar o risco de desenvolvimento de 20 doenças graves ao longo da vida. As conclusões, publicadas na revista Brain, Behavior and Immunity, oferecem uma análise abrangente sobre os efeitos de estressores infantis, destacando diferenças significativas entre homens e mulheres.
 
 
Embora haja um crescente consenso na literatura científica sobre as consequências duradouras de adversidades na infância, investigações anteriores não haviam explorado adequadamente como diferentes tipos de estressores afetam funções biológicas específicas e riscos à saúde. O estudo da UCLA se destaca por fornecer uma das análises mais completas sobre as consequências biológicas e clínicas das experiências adversas.
 
 
O autor sênior do estudo, George Slavich, diretor do Laboratory for Stress Assessment and Research da UCLA, enfatizou em comunicado a importância da pesquisa: "A maioria das pessoas que passaram por estresse significativo ou trauma na infância nunca são avaliadas. Essas descobertas destacam a importância crítica da triagem de estresse em ambientes clínicos." Ele ressalta a necessidade de uma abordagem mais personalizada no tratamento, considerando o sexo do paciente e o perfil de estresse individual.
 
 
A equipe analisou dados de mais de 2.100 participantes do estudo longitudinal Midlife in the United States. Os participantes relataram experiências adversas, como dificuldades financeiras, abuso e negligência, além de fornecer amostras biológicas que permitiram a medição de 25 biomarcadores de doenças. Os resultados mostraram que os indivíduos que relataram baixo estresse apresentaram menos problemas de saúde, enquanto o risco aumentava com a gravidade das experiências vividas.
 
 
Ambos os sexos nas classes de alto estresse mostraram pior saúde metabólica e níveis elevados de inflamação. No entanto, os efeitos foram mais pronunciados nas mulheres, especialmente em relação aos biomarcadores de saúde metabólica. Para os homens, condições de abuso emocional e negligência tiveram um impacto mais significativo.
 
 
Slavich acrescentou que "o estresse está implicado em 9 das 10 principais causas de morte nos Estados Unidos hoje. Já é hora de levarmos essa estatística a sério e começarmos a fazer exames para estresse em todas as clínicas pediátricas e adultas no país". As implicações clínicas dos achados levantam questões sobre o papel das experiências adversas em contextos sociais mais amplos, sublinhando a necessidade de políticas de saúde pública voltadas à prevenção de traumas na infância e promoção de ambientes familiares saudáveis.
 
 
O psiquiatra sócio-fundador do CBI of Miami e Primium Educação Médica, Gustavo Teixeira, destaca que mulheres que passam por eventos traumáticos apresentaram maior vulnerabilidade a inflamações e distúrbios metabólicos. "Enquanto os homens mostraram mais problemas cardiovasculares e comportamentais. Essas diferenças são atribuídas a fatores biológicos, hormonais e sociais que modulam como o corpo lida com o estresse durante a infância."
 
 
Além das conclusões da UCLA, um editorial liderado pela Sam Houston State University (SHSU), sintetizou evidências de quase 100 meta-análises sobre experiências adversas na infância (ACE). Detalhado no Journal of Child Psychology and Psychiatry, a publicação encontrou diferenças significativas nos efeitos dependendo das abordagens utilizadas. "Nossas descobertas destacam a complexidade e a natureza variada da influência dos ACE no desenvolvimento individual e no bem-estar social", frisou, em nota Bitna Kim, líder da pesquisa e professora da SHSU.
 
 
Conforme a revisão, ACEs incluem eventos traumáticos que ocorrem desde o nascimento até os 17 anos, como abuso, testemunhar violência e crescer em um ambiente familiar com problemas de saúde mental, por exemplo. Fabiana Fonseca, pediatra, em Brasília, destaca que são consideradas experiências adversas a violência mental e física que geram traumas, incluindo episódios de negligência.
 
 
"Precisamos mudar isso, esse trauma pode acompanhar a pessoa pela vida inteira, gerando muitos problemas. Essas questões são difíceis de lidar e demandam muita terapia. A criança fica mais suscetível a adoecer, ter doenças infecciosas e crônicas. Na fase adulta têm mais chances de apresentar obesidade, hipertensão e diabetes porque ela já tem um comportamento de risco e uma dificuldade de estabelecer relações sociais saudáveis."
 
 
Os pesquisadores avaliaram o impacto desses eventos em seis domínios: desregulação biológica, deficiências neuropsicológicas, complicações de saúde física, condições de saúde mental, desafios sociais e comportamentais, e envolvimento com a justiça criminal.
 
 
A equipe notou que, mesmo quando classificado como de pequeno a moderado, a complexidade do evento só é evidente ao considerar as interações entre diferentes abordagens e resultados. Além disso, a análise centrada em maus-tratos infantis mostrou grandes efeitos em todos os domínios avaliados, incluindo maior envolvimento com a justiça criminal e problemas sociais.
 
 
Fonte: Correio Braziliense

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