A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, por unanimidade, nove, dos dez réus do Núcleo 3 da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), no julgamento da ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado no Brasil. O julgamento foi concluído nesta terça-feira (18) e as penas variam de um a 24 anos de prisão.
Os militares do Exército Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo, Bernardo Romão Correa Neto, Fabrício Moreira de Bastos e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, além do policial federal Wladimir Matos Soares, foram condenados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da união e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.
Já o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior e o coronel Márcio Nunes de Rezende Júnior, receberam condenação pelos crimes de incitação de pública de animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais e associação criminosa. O general da reserva Estevam Cals Teófilo Gaspar de Oliveira foi absolvido por ausência ou insuficiência de provas.
Último a votar, o presidente da Turma, ministro Flávio Dino, destacou a materialidade dos fatos narrados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e destacou a gravidade dos crimes imputados.
“Chegamos ao julgamento, portanto, em condições de, infelizmente afirmar, especialmente no julgamento desse núcleo, que o Brasil chegou na beira do precipício, precipício de atos muito violentos, atos que levariam, por exemplo, ao inédito assassinato de um ministro do Supremo, do assassinato de um presidente da República, de um vice-presidente, que são fatos corriqueiros que possam ser vistos como meras conversas de confraternização ou mesmo meros planejamentos aleatórios”, afirmou Dino.
O ministro destacou ainda o caráter histórico do julgamento da ação penal em questão. “Esse é o primeiro julgamento judicial que se processa no Brasil em relação a golpes e contragolpes. Isto, como disse no primeiro julgamento, pode conferir uma aparente nota de excepcionalidade, mas vemos aqui agora do ponto de vista técnico, é a tarefa de aplicação da Constituição e das leis a fatos e provas”, pontuou o presidente da Turma, que formou unanimidade no colegiado quanto à sentença.
A decana da Turma, ministra Cármen Lúcia, foi a terceira a votar, formando maioria no colegiado. “Acho que neste caso a materialidade delitiva dos casos dos fatos que foram descritos e imputados aos réus pelo Procurador-Geral da República está devidamente comprovada”, votou a ministra.
“A investigação identificou e apreendeu documentos como o desenho da operação Luneta, Plano Punhal Verde Amarelo, nos quais se demonstra que a organização criminosa teria registrado planejamento de ações ilícitas para restringir o livre exercício do Poder Judiciário, basicamente este Supremo Tribunal Federal e a Justiça Eleitoral, Tribunal Superior Eleitoral, incluindo aí a possibilidade de prisão de alguns dos ministros, neutralização de alguns dos integrantes deste Supremo, tudo para impedir a posse dos governantes eleitos”, pontuou a magistrada.
Veja quem são os condenados e suas respectivas penas
Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel do Exército) – 24 anos de prisão e multa de 120 salários mínimos
Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel do Exército) – 21 anos de prisão e multa de 120 salários mínimos
Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel do Exército) – 21 anos de prisão e multa de 120 salários mínimos
Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal) – 21 anos de prisão e multa de 120 salários mínimos
Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel do Exército) – 17 anos de prisão e multa de 120 salários mínimos
Bernardo Romão Corrêa Netto (coronel do Exército) – 17 anos de prisão e 120 salários mínimos
Fabrício Moreira de Bastos (coronel do Exército) – 16 anos e multa de 120 salários mínimos
Márcio Nunes de Resende Jr. (coronel do Exército) – 3 anos e cinco meses de prisão em regime inicial aberto
Ronald Ferreira de Araújo Jr. (tenente-coronel do Exército) – 1 ano e 11 de prisão em regime inicial aberto
Os condenados ainda deverão pagar o valor de R$ 30 milhões, em indenização pelo dano moral coletivo, a serem compartilhados de maneira solidária entre eles. Os ministros determinaram também a inelegibilidade e suspensão dos direitos políticos por oito anos de todos os réus, além da perda do cargo público de Wladimir Matos Soares, por haver sido condenado por um período maior que quatro anos.
Ainda na sentença, a Primeira Turma determinou oficiar o Ministério Público Militar e o Superior Tribunal Militar sobre a indignidade do oficialato militar, sobre a condenação de todos os militares condenados por mais de dois anos de prisão.
Organização criminosa
O ministro Cristiano Zanin também seguiu o relator, pela condenação de nove, dos dez réus do Núcleo 3. No voto, Zanin afirmou que o fato de alguns dos réus não estarem presentes no dia 8 de janeiro e outros eventos de caráter golpista, não impacta a análise da culpabilidade, mas pelo “espírito de solidariedade” entre seus integrantes.
“Na realidade, a conduta dos agentes, denominados núcleo de ações táticas e coercitivas, deve ser examinada a partir da contribuição efetiva nos atos destinados à ruptura institucional”, declarou Zanin.
“Não foi diminuta, de fato, a perpetração de ações violentas capazes de deflagar uma situação de convulsão social que então permitiria a adoção de etapas subsequentes no planejamento para a perpetuação do poder. Quem opta por se filiar à organização criminosa, podendo rejeitar, incrementa o risco criado ou dominado e robustece o potencial delitivo do grupo, atentando dolosamente contra a paz pública”, destacou o ministro.
A ministra Carmen Lúcia foi na mesma linha. “Estamos falando de organização criminosa, estamos falando de golpe de Estado que se compõe por um conjunto de pessoas que se unem, não precisam de se reunir, elas estão unidos por um laço que é muito mais forte, mas também muito mais ausente”, afirmou a magistrada. “Eles não estavam reunidos fisicamente, materialmente, mas estavam em vários lugares executando as várias tarefas para chegar a um intento criminoso”, destacou a decana.
Zanin recordou a gravidade das ações relatadas pela PGR em relação a esse núcleo de acusados. “As contingências incluíam, há que ser lembrado, a extração de um plano para assassinar autoridades que se opuseram aos intentos da aludida organização criminosa”, afirmou o ministro.
“Não se tratou de contingência isolada, de confraternização, mas sim de reunião de trabalho com objeto previamente definido, com substanciado uma série de atos atrelados à execução e tentativas de abolição do Estado, democrático de direito ou de golpe de estado”, completou.
Alegações de nulidades são rejeitadas
Os ministros da Primeira Turma destacaram a insistência das defesas em apresentarem alegações de possíveis nulidades no processo que já foram afastadas, tanto pela Turma como pelo plenário, como a suposta incompetência da Turma em julgar o caso, e rejeitaram todas as preliminares das defesas.
“Essas matérias já foram exaustivamente analisadas nos julgamentos que fizemos em relação aos núcleos anteriores e também por ocasião do recebimento da denúncia”, declarou o ministro Zanin, rejeitando alegação de suposta quebra da cadeia de custódia das provas obtidas pela investigação.
“Na minha compreensão, entendo ter havido plena observância das normas referentes à preservação da cadeia de custódia da prova e ao devido processo legal, em estrita observância aos requisitos previstos nos artigos 158 e seguintes do Código Processo Penal”, entendeu Zanin.
Mais cedo, o próprio relator, ministro Alexandre de Moraes, já havia respondido a outras alegações das defesas, como, por exemplo, a eventual suspeição de alguns dos ministros da Primeira Turma, por exemplo, e recebeu apoio do presidente da Turma, ministro Flávio Dino.
“Apenas um esclarecimento necessário para lembrar: tais preliminares foram enfrentadas no plenário, inclusive, e afastadas, acho que por 10 a 1 ou 11 a 0”, disse Dino.
“Exatamente”, respondeu Moraes. “Foi, foram afastadas essas, principalmente de impedimento e suspeição, por 10 a 1 em relação a mim, 10 a 1 em relação a Vossa Excelência, e 11 a 0 em relação ao ministro Cristiano Zanin, quando houve [o questionamento] num único caso”, completou.
Dino defende integridade da Corte
O ministro Flávio Dino iniciou seu voto fazendo uma defesa da integridade da Suprema Corte. “Dizem alguns que esses supostos inquéritos que nunca acabam seriam prova de uma anomalia no Brasil que seria um tal de um ativismo judicial. Isso se tornou um lugar-comum de baixíssima qualidade doutrinária e técnica”, disse Dino.
“O que acontece aqui no Supremo, na Primeira Turma, na Segunda Turma, no plenário, é a aplicação, a interpretação da Constituição e das leis aos fatos à luz das provas. (…) Essa ideia de inquéritos que nunca acabam, de ativismo judicial, de ideologização, politização e todas todos esses slogans que se prestam a no fundo, no fundo, tentar deslegitimar o Estado constitucional de direitos”, completou o presidente da Primeira Turma.
Por sua vez, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o tribunal obedeceu todos os procedimentos previstos no devido processo legal, com amplo direito à defesa.
“Quero salientar também que a aplicação da justiça penal pelo Supremo Tribunal Federal seguiu todo o rito processual, o devido o processo legal, ampla defesa, contraditório. Todos os atos, seis audiências, 20 testemunhas ouvidas, uma sessão de interrogatório para todos os réus poderem exercer o seu direito à autodefesa ou seu direito ao silêncio, mas poderem comparecer perante o Judiciário para expor a sua versão dos fatos. Tudo isso, feito dentro do devido processo legal e com imparcialidade e igual e coerência nos julgados”, afirmou Moraes.
Fonte: Brasil de Fato